É com muito pesar que escrevo
essa postagem de hoje. Já está em todas as mídias, inclusive na internacional, o
incêndio que devastou o Museu Nacional aqui na cidade do Rio.
Ontem e hoje acompanhei
os noticiários a respeito do incêndio. Fiquei completamente
chocada e com lágrimas nos olhos ao ver as chamas lambendo o estimado Museu. A Quinta da Boa Vista local onde está o museu, para mim, era o local representativo não só da minha infância, mas de outros tantos cariocas. É na Quinta que está o zoológico, palco do saudoso, Macaco Tião, a bola gigante colorida, do malabarista de madeira, das
bicicletas-charretes e do Museu da Quinta, pois é assim com essa intimidade, que nós cariocas, chamamos o
Museu Nacional. Lembro que era passeio de quase todo domingo ir ao zoológico e ir ao
museu. Eu, enquanto criança tinha medo do ranger do piso de madeira, do enorme dinossauro, do meteoro gigante e da sala das múmias,
mas meu sonho era subir as escadas cujo acesso era sempre proibido. O que se perdeu internamente jamais será recuperado, talvez possa ser recuperado somente
a fachada. Nada e nenhum dinheiro vai se transformar nas relíquias perdidas
naquele tenebroso incêndio. Aliás, tenebroso, também, é o momento pelo qual estamos vivendo.
O incêndio só nos
revelou e nos relembrou uma série de erros, omissões, descasos, desvios e falta
de interesse das esferas públicas para a manutenção de um MUSEU que custava por
ano apenas 524 mil reais! Escrevo, neste exato momento, com o som da chuva e nunca gostei tanto desse som como hoje, pois só assim, o que ainda resta das chamas, podem ser apagadas. O Rio hoje chora.
O fogo tem um poder simbólico,
povos sentavam a sua volta para contar histórias. Junto com a descoberta da roda foi um dos elementos mais importantes para o
desenvolvimento de sociedades primitivas. O homem da pré-história descobriu o fogo
para sobreviver e hoje o homo sapiens usa para destruir. Essa destruição esta nas burocracias. O fogo de hoje é a caneta que deveria ter assinado os papéis de outrora.
Existe um valor
naquelas paredes, o MUSEU, antes de se tornar a morada da Corte, foi morada de
um traficante de negros escravizados, na verdade, era sua casa de campo e foi doada à família real após sua chegada. Curioso né! Quantos
escravos sofreram para fazer ali a morada de seu algoz e como o tráfico era
lucrativo ao ponto do proprietário fazer de sua casa uma palácio. Naquelas paredes têm sangue, suor,
chicotadas, ou seja, muita dor. No extinto museu (assim já posso dizer) havia o trono do rei do antigo
Daomé, Adandozan, cuja fama era de um homem completamente cruel que, após o
falecimento de seu pai e de ter herdado o trono, vendeu aos traficantes
negreiros sua madrasta Nã Agontimé. No Maranhão, Nã Agontimé se estabeleceu, comprou sua própria alforria e foi fundadora da Casa das Minas. Logo me veio à
mente a figura das Iyàmí aparecendo num voo sobre o museu reivindicando as
atrocidades de Adandozan.
O Museu
da Quinta se tornou o lugar de convivência de todas as civilizações, espécies e
de suas evoluções. O museu era democrático. Lá também estava o fóssil humano mais antigo da América do Sul: a Luzia.
Estou muito consternada, tudo o que relatei aqui do que havia no museu não é nem um terço. Tudo se foi. Jamais serão substituídos. Tenho um profundo pesar pelas gerações futuras. O apagamento
de uma cidade e de sua história começa dessa forma, assim como uma vela acesa cujo vento bateu e a apagou, num piscar de olhos.
Quantas velas serão
acesas e apagadas no nosso país, no nosso estado e na nossa cidade?
Paço Real - Quinta da Boa Vista - Jean Baptiste Debret - 1817.
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